Imaginem a cena: sessão de 12 de novembro, plenário da Assembleia Constituinte, localizada no Paço Imperial, Rio de Janeiro. Deputados agitados, reunidos em discussão sobre o texto da primeira Constituição do Brasil independente. O Exército do Rei invade o Parlamento da então capital do Brasil, prende vários parlamentares e exila outros. Cena de filme? Não. Isso aconteceu há exatos 200 anos.
A chamada “Noite da Agonia” foi um episódio em nossa história ocorrido em virtude da discordância – por parte do Imperador Dom Pedro I – com o texto da primeira Constituição do país recém-independente.
O Brasil havia se tornado independente de Portugal oito meses antes e se encontrava sob influência da guerra da independência dos Estados Unidos, da Revolução Francesa, da Revolução Constitucionalista da Espanha e das guerras de libertação na América espanhola. Por outro lado, existia o cenário de vulnerabilidade representado pela recente Revolução do Porto e pelo sequente retorno de D. João VI à metrópole.
A Assembleia Constituinte conseguiu reunir 84 de seus 100 deputados, de 14 províncias a fim de confeccionar a primeira Constituição. Representava a elite política e intelectual da época, e as influências constitucionalistas da época de fato previam a diminuição do poder do monarca, a separação de poderes e uma série de outros traços que eram previstos em constituições pelo mundo. Contudo, em vista de propostas pouco conservadoras, o Imperador temia que o poder da Assembleia Constituinte ameaçasse seu reinado.
Dias antes da invasão do parlamento, em 10 de novembro, entrou em pauta na Assembleia um projeto sobre liberdade de imprensa. A sessão da Constituinte ficou muito agitada e tensa. Em razão de tumultos generalizados, as discussões foram suspensas.
Na sessão de 11 de novembro, véspera da “Noite da Agonia”, era possível verificar pelas notas taquigráficas que os integrantes da Assembleia Constituinte já estranhavam certa movimentação atípica às voltas da área do Paço Imperial, razão pela qual foi votada a permanência da sessão e a formação de uma comissão para suscitar ao monarca, D. Pedro I, a razão de tais inquietações. Na data, o parlamentar, Sr. Andrada Machado, propôs:
“Proponho: 1o que se declare sessão permanente enquanto durarem as inquietações da capital; 2o que se depute a Sua Majestade Imperial, rogando que o governo comunique à assembleia os motivos dos estranhos movimentos militares que perturbam a tranquilidade desta capital; 3o que se escolha uma comissão especial que vigie sobre a seguridade da corte e se comunique com o governo e autoridades, a fim de
deliberar-se quais as medidas extraordinárias que demandam as nossas delicadas circunstâncias.”
Fato interessante ocorrido na mesma sessão foi a detenção de um manifestante nas galerias do plenário e o exame do caso pela Comissão de Polícia da Assembleia Constituinte. Veja-se, pela fala do Sr. Secretário Galvão:
“Participo à assembleia que o comandante da guarda acaba de prender um dos espectadores que nas galerias, segundo dizem, proferira algumas palavras contra os senhores deputados. O exame do caso pertence à Comissão de POLÍCIA, cujos membros se acham agora aqui em sessão e, portanto, a assembleia determinará o que for conveniente. Expediu-se ordem ao mesmo comandante para o reter em custódia, na
forma do regimento.”
A sessão continuou no dia 11 de novembro, e a proposta foi aprovada. Essa reunião, que viria a ser chamada de “Noite da Agonia”, varou a madrugada. No dia 12, no início da tarde, a tropa imperial cercou o edifício da Assembleia e colocou peças de artilharia nas entradas das ruas adjacentes. Os parlamentares resistiram por horas, mas não conseguiram evitar a dissolução do grupo. Assim, a Assembleia Constituinte foi dissolvida por decreto do imperador.
Após o cercamento do prédio, o brigadeiro José Manuel de Morais entrou à frente de sua tropa, com um decreto imperial em mãos. O texto, assinado pelo monarca Dom Pedro I, dizia:
“Si tão arduas e arriscadas circumstancias Me obrigaram a pôr em pratica um remedio tão violento, cumpre observar que males extraordinarios, exigem medidas extraordinárias, e que é de esperar, e crêr, que nunca mais serão necessárias.”
Os constituintes, por prudência, retiraram-se sem protestar. Ao deixar o prédio, alguns foram presos e depois exilados.
Dias depois, o Imperador reuniu dez cidadãos de sua confiança. A portas fechadas, eles escreveram a primeira Constituição do Brasil independente, publicada no ano seguinte: a Constituição Política do Império do Brasil, de 1824.
A nova Constituição tinha tônica liberal e incluía direitos pouco comuns para a época, como a liberdade de crença e de culto. Por outro lado, garantia a existência de quatro Poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador. Além de ser o chefe do Executivo, o Imperador detinha o Poder Moderador, com o qual podia resolver impasses entre os demais poderes e dissolver o Parlamento.
O ocorrido em 12 de novembro de 1883 causou a dissolução da Assembleia Constituinte incumbida de editar a primeira Constituição do Brasil independente. A invasão de monarcas a sedes de parlamentos não foi caso isolado, tampouco novidade ao redor do mundo: no século XVII, fato semelhante ocorria na Inglaterra, com a Invasão de Charles I à Câmara dos Comuns, e no século XVIII, outro fato análogo ocorria, com a invasão do Rei Luís XVI à sede do Parlamento francês.
Entretanto, mais do que a dissolução em si, a data de 12 de novembro de 1823 no Brasil remete à importante missão dirigida à Casas Legislativas, na esfera federal representadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, qual seja: a de promover os trabalhos democráticos ancorados na independência e harmonia entre os Poderes. E nesse aspecto, a Polícia Legislativa possui papel fundamental.
Portanto, para nós da Polícia Legislativa, o dia 12 de novembro nos rememora nossa honrosa missão, a de ser peça essencial na garantia da promoção democrática!
BOBBIO, N. A teoria das formas de governo. 10. ed. Brasília: UnB, 1997
BRASIL. Assemblea Geral, Constituinte e Legislativa (1823). Typographia de
Hyppolito José Pinto. T. 01. Rio de Janeiro, 1876. Os exemplares aqui utilizados são do
arquivo digital do Senado Federal disponível em:
https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/anais_imperio/1823/1823%20livro%2
01.pdf
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm.
Acesso em: 3 jul. 2023
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Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/anterioresa1824/lei-40951-
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FAORO, Raymundo. Assembleia Constituinte: A legitimidade recuperada. 3ª ed., São
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FEDERAL, Senado. O Senado do Império. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/institucional/documentos/sobre-o-senado/historia/osenado-
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Por PLF SF Isabela Lisboa