Uma Proposta do Uso da Força para a Polícia Legislativa Federal da Câmara dos Deputados.
Por Suprecílio Barros
A Constituição Cidadã de 1988 implantou um novo modelo jurídico-político que tem como um de seus fundamentos o princípio da dignidade da pessoa humana, estandarte do Estado Democrático de Direito em que se vive.
Afirma MELLO (1996, p.545) que princípio é “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência […]”.
Por sua vez, MORAIS (2002, p.96) define o princípio da dignidade da pessoa humana como:
[…] um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (grifo do autor).
Partindo desse pressuposto, podemos afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana irradia-se sobre o sistema policial impondo-lhe concomitantemente dois padrões de condutas: um proativo e outro de abstenção. Ao impor um padrão de conduta proativo, garante-se segurança, ordem e paz social, afim de que os indivíduos possam alcançar o pleno desenvolvimento e a autodeterminação. Por outro lado, quando se impõe um padrão de conduta de abstenção, protege-se o ser humano contra torturas, ofensas, humilhações, etc.
Dessa forma, não há como se falar em Estado Democrático de Direito sem a existência de um sistema policial capaz de garantir a aplicação da lei e o livre exercício dos direitos e garantias fundamentais. Daí a importância de se ter uma doutrina capaz de estabelecer, no plano ético, legal e operacional, padrões de conduta sobre o emprego da força estatal que sejam condizentes com os ideais desse novo modelo de Estado, considerando que a sociedade brasileira não aceita mais que o papel da polícia seja desempenhado a qualquer custo.
O uso da força ganha uma nuance ainda mais especial quando é empregado no âmbito do parlamento brasileiro, por ser aqui um espaço legítimo do exercício do poder popular. Todavia, para que tal poder seja efetivado de forma legítima, é imprescindível que o seu exercício ocorra dentro dos limites legais e sem prejudicar a realização dos trabalhos legislativos. Havendo qualquer desrespeito a tais preceitos, a atuação da Polícia Legislativa Federal da Câmara dos Deputados faz-se obrigatória para fazer com que a lei seja cumprida ou para manter ou reestabelecer a ordem pública, apoiando-se, para tanto, em padrões ético- profissionais aceitáveis.
Diante disso, faz-se necessário que as polícias legislativas adotem integralmente a doutrina do Uso Diferenciado da Força (UDF)1, que tem como objetivo racionalizar e legitimar o emprego da força, a fim de que as suas atuações ocorram em conformidade com os novos valores democráticos.
Segundo o Novo Dicionário Aurélio, a palavra “força” (do latim fortia) pode ser definida como a “ação de obrigar alguém a fazer algo”. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) estabeleceu uma definição de “força” direcionada à atividade policial, como sendo “toda intervenção compulsória sobre o indivíduo ou grupos de indivíduos, reduzindo ou eliminando sua capacidade de autodecisão.”. (SENASP, 2010, PDF, Mod. I, p. 3).
A Portaria Interministerial n. 4.226/2010 define força com toda intervenção coercitiva imposta à pessoa ou grupo de pessoas por parte do agente de segurança pública com a finalidade de preservar a ordem pública e a lei.
Todavia, tais definições são amplas, deixando de lado aspectos de competência e legitimidade. Assim, preferimos definir força policial como toda atuação policial realizada, direta ou indiretamente, de forma legal, coercitiva e legítima, com a finalidade de eliminar, reduzir ou induzir a capacidade de ação e de decisão do
[1] Suprecílio Barros é integrante da Polícia Legislativa Federal da Câmara dos Deputados desde 2011, formado em Direito e em Segurança Pública, além de atuar como instrutor de armamento e tiro e Uso Diferenciado da Força, entre outras disciplinas.
indivíduo ou de grupo de indivíduos descumpridores da lei ou perturbadores da ordem pública.
Para um melhor entendimento sobre esse ponto, preferimos diferenciar a força policial em duas categorias: (a) força policial direta e (b) força policial indireta. A primeira é aquela que atua diretamente sobre o corpo do indivíduo, como: aplicação de chave de braço, o uso de solução lacrimogênia, um disparo ou descarga de contato de um dispositivo eletrônico de controle (DEC) ou disparo de arma de fogo, etc. A segunda é aquela que atua sobre o psicológico do indivíduo, como: a presença policial ostensiva (nível 1 de força), verbalização (nível 2 de força), descarga de advertência de um DEC, uso de arma de fogo com intenção não letal (abordagem), etc.
Entende-se, por sua vez, como força legal aquela exercida de acordo com o ordenamento jurídico vigente e força coercitiva como aquela que o agente pode valer-se para fazer cumprir determinada ordem.
Por outro lado, não basta apenas que a força policial utilizada seja legal e coercitiva, é necessária que ela também seja legítima. Entende-se por força legítima aquela aplicada de forma moderada e pautada dentro de padrões ético-profissionais. Caso contrário, essa atuação torna-se ilegítima, correndo o risco de se tornar uma violência policial, o que é inaceitável.
Com base em SCHRODER, podemos dizer que uma força será legítima, quando o agente da lei emprega-a da forma que a sociedade espera que seja empregada, ou seja, dentro de critérios tidos como razoáveis e justos pela coletividade.
Dentro desse contexto, convém aprofundar a diferenciação entre força legítima e violência policial.
Os limites entre força legítima e violência policial são muito tênues, exigindo do policial Legislativo Federal o conhecimento adequado sobre o UDF – uma das formas mais adequadas para prevenir o excesso de força.
É comum encontrarmos nos livros de sociologia o termo “violência legítima”, referindo-se ao emprego da força pela polícia. Entretanto, ousamos discordar dessa linha de pensamento, por entendermos que “violência” é todo constrangimento,
físico ou moral, praticado contra alguém à margem da lei, o que se torna incompatível com a função policial, posto que toda atuação deve ser praticada nos estritos limites legais. Logo, a polícia não emprega “violência legítima”, mas sim força legítima. Assim sendo, para que a força policial seja legítima, é necessário que ela encontre respaldo nos seguintes planos:
Já definido o que é “força” no âmbito policial, podemos buscar agora uma definição para o Uso Diferenciado da Força. A Portaria Interministerial n. 4.226/2010, editada pelo Ministério da Justiça em conjunto com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, traz a seguinte definição: seleção apropriada do nível de uso da força em resposta a uma ameaça real ou potencial visando limitar o recurso a meios que possam causar ferimentos ou mortes.
Entendemos que tal definição não é a mais adequada, pois reduz o UDF a uma mera ferramenta de seleção do nível de força mais adequado contra um dado tipo de ameaça, quando na verdade é muito mais do que isso. Ademais, há níveis de força que são empregados pelo policial sem que haja a existência de uma ameaça como, por exemplo, a presença policial ostensiva, considerada o primeiro nível de força.
Diante disso, preferimos conceituar o Uso Diferenciado da Força como sendo uma doutrina que tem como escopo disciplinar o emprego adequado dos diferentes níveis de força em resposta à ação ou à omissão ilegal de indivíduo ou de grupo de indivíduos, com o fim de se fazer cumprir a lei e de garantir a manutenção ou restabelecimento da ordem pública,com o mínimo de dano possível à integridade física das pessoas. Princípios do Uso Diferenciado da Força
Para melhor dosar o uso da força, essa doutrina estabelece princípios essenciais que traçam parâmetros de aplicação da intensidade de força, são eles: (a) princípio da legalidade; (b) da necessidade; (c) da proporcionalidade; (d) da razoabilidade; (e) da moderação; (f) da conveniência; (g) da flexibilidade; (h) e os princípios éticos. Segundo ALEXY (1997, p.162), princípios devem ser entendidos como mandamentos de otimização, na medida em que seu cumprimento pode ser realizado em diferentes graus, de acordo com as condições fáticas e jurídicas.
Para DI PIETRO (2006, p.82), o princípio da legalidade exige que a atuação da Administração Pública dê-se tão-somente nos estreitos limites traçados pela lei. Assim, antes de intervir em qualquer situação, o agente da lei deve averiguar se a intervenção que pretende realizar é autorizada em lei.
A inobservância da legalidade poderá levar o policial a incorrer em um dos crimes da lei de abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019). Por isso, é fundamental que as escolas de formação policial passem aos seus alunos um conhecimento jurídico completo sobre a legislação referente à área policial, uma vez que serão eles os primeiros aplicadores das leis e os garantidores imediatos dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Com base nesse princípio, podemos afirmar que os policiais legislativos somente poderão utilizar a força para a consecução de um objetivo legal e nos estritos limites da lei.
O princípio da necessidade, por sua vez, orienta o policial a interrogar-se a si mesmo se, determinado nível de força, faz-se necessário para solucionar uma dada situação que não pode ser resolvida pelos níveis de força não contundentes2. Este princípio prescreve que o policial deve verificar todo o contexto fático, ao mesmo tempo em que analisa todas as opções de força disponíveis, e, ao final, escolhe aquela que seja capaz de aplicar a lei com o mínimo de dano possível a integridade do indivíduo (SENASP, 2010). Segundo tal princípio, determinado nível de força só pode ser empregado pelo policial legislativo quando níveis de menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos.
Já o princípio da proporcionalidade, expressamente previsto na Lei nº 13.060/2014, tem como missão compatibilizar o nível de força a ser empregado pelo policial em resposta à ação ou à omissão do indivíduo violador da lei ou perturbador da ordem pública. Deverão ser levados em conta fatores como intensidade, periculosidadee hostilidade da ação do indivíduo. A proporcionalidade da força policial está diretamente ligada ao nível de treinamento do agente da lei, ou seja, quanto maior for o nível de treinamento, melhor tenderá a ser a proporcionalidade de força aplicada.
O princípio da razoabilidade também se encontra positivado na Lei nº 13.060/2014, tendo como finalidade adequar os meios disponíveis aos fins pretendidos, isto é, verifica-se se determinado nível de força é adequado ao fim que se pretende alcançar de acordo com a realidade de cada caso concreto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são as duas faces da mesma moeda, cujo objetivo maior é evitar o excesso de força policial.
O princípio da moderação3 prega que o emprego da força deve, sempre que possível, ser dosado, levando em consideração a intensidade e a duração, visando sempre reduzir os danos à integridade física das pessoas. O policial moderará determinado nível de força levando em consideração alguns fatores como: idade, sexo, porte físico e estado mental do indivíduo, tipo de ambiente, quantidade de indivíduos, tipo de equipamento disponível, etc.
Conforme a Portaria Interministerial n. 4.226/2010, o princípio da conveniência prescreve que a força não poderá ser empregada quando, em função do contexto, possa ocasionar danos de maior relevância do que os objetivos legais pretendidos. Por sua vez, o princípio da flexibilidade encontra-se implícito no próprio espírito do UDF e estabelece que a escolha dos diferentes níveis de força é um processo flexível e dinâmico, permitindo que o policial diminua ou aumente rapidamente a intensidade de força em resposta à conduta do indivíduo ou de grupo de indivíduos. Assim, em uma dada situação, o policial poderá pular do nível 2 de força (verbalização) diretamente para o nível 6 de força (força letal) e vice-versa, dependendo da situação real. Diante do caso concreto, o policial deverá analisar a situação e escolher o nível de força que seja capaz de resolvê-la com o mínimo de dano possível à integridade física da pessoa, caso a força indireta tenha sido infrutífera. A progressão de força somente ocorrerá se a situação evoluiu ou se o nível de força aplicado foi insuficiente para solucionar a situação.
Não se pode deixar de destacar, ainda, o papel fundamental dos princípios éticos. São eles que traçam os parâmetros morais para a utilização do uso da força estatal. O exercício da atividade policial lida diariamente com questões éticas. O agente da lei precisa fazer constantemente uma autocrítica de seus atos. Assim, levando em consideração os códigos de condutas policiais, é fundamental que o policial saiba diferenciar: o certo do errado, o justo do injusto, o moral do imoral. Daí a importância dos princípios éticos na aplicação da doutrina do UDF.
No entanto, para que a doutrina do UDF tenha efetividade na praxe policial, não basta apenas que os policiais sejam conhecedores de seus ensinamentos e treinados para tanto, é necessário, também, que o Estado forneça-lhes armas e equipamentos de menor potencial ofensivo: sem tais instrumentos é praticamente impossível fazer uso moderado da força.
Torna-se praticamente inócuo falar em Uso Diferenciado da Força sem um leque de Tecnologias Não-letais (TNL) disponível ao policial. Para um melhor aprofundamento sobre o assunto e buscando sempre o aprimoramento da linguagem técnica, com base no que dispõe a Portaria Interministerial n. 4.226/2010, podemos subdividir tais tecnologias em:
Com base nisso, podemos definir tecnologia não-letal como qualquer arma, munição ou equipamento projetados para serem empregados em atividade de segurança, com o objetivo específico de conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas e com o fim de preservar vidas e minimizar danos à sua incolumidade.
Uma discussão sempre presente na doutrina policial é sobre qual o termo mais adequado para qualificar esse tipo de tecnologia: “não-letal”, “menos letal” ou “de menor potencial ofensivo”. Respeitando as posições contrárias, compreendemos que são sinônimos, caso seja levado em consideração o objetivo que se buscou alcançar com o desenvolvimento da tecnologia, pois qualquer uma das três locuções adjetivas empregadas tem uma finalidade em comum: preservar vidas e minimizar danos à integridade físicas das pessoas.
Por essa linha de raciocínio, quando se denomina uma tecnologia de “não- letal”, está se dizendo que tal engenho não foi desenvolvido com a finalidade de matar ou produzir dano permanente, se ele for empregado de forma correta.
Todavia, os que preferem o termo “menos letal” argumentam que, muito embora esse tipo de tecnologia não tenha sido desenvolvido para matar ou provocar danos permanentes, ele tem potencial para fazê-los, se empregado de forma errada ou proposital.
Já os defensores da expressão “de menor potencial ofensivo” partem do pressuposto que tais inventos, apesar de terem sido projetados com a finalidade de preservar vidas e a integridade física das pessoas, têm uma ofensividade muito baixa de provocar morte ou dano permanente.
Deve-se deixar claro que o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo não dispensa o uso de arma de fogo. Muito pelo contrário, ambos se complementam para que haja uma aplicação diferenciada da força.
A Portaria Interministerial n. 4.226/2010 define nível do uso da força a intensidade da força escolhida pelo policial em resposta a uma ameaça real ou potencial.
Não obstante tal definição legal, preferimos definir níveis de força como sendo parâmetros de intensidade de força que poderão ser utilizados pelo policial em resposta à conduta comissiva ou omissiva do indivíduo ou de grupo de indivíduos tipificada como criminosa ou perturbadora da ordem pública.
Como forma de instrumentalizar a doutrina do Uso Diferenciado da Força para melhor ser incorporada à rotina policial, foram idealizados, por diferentes instituições policiais e em diferentes épocas, modelos gráficos de uso da força. Tais diagramas de força buscam estabelecer, de forma objetiva, parâmetros de intensidade da força policial com base na ação ou omissão de quem estiver violando a lei ou perturbando a ordem pública:
Modelo FLETC4
Fonte: Apostila de Uso legal da Força, 2006.
Acreditamos que esse não seja um bom modelo do emprego da força policial, haja vista que, equivocamente, induz a pessoa a pensar que os diferentes níveis são empregados progressivamente, o que não é verdade. Além disso, passa a ideia de que cada ação desempenhada pelo policial deverá ser estritamente limitada, não dandomargem à discricionariedade policial, quando se bem sabe que, na vida real, as situações não serão tão simples assim, mas sim permeadas, em sua maioria, por zonas cinzentas que requerem uma análise discricionária por parte do policial sobre qual medida se fará mais adequado ao caso concreto.
Fonte: Apostila de Uso legal da Força, 2006.
Note-se que o modelo canadense estabelece diferentes níveis de força que não são estritamente delimitados a cada tipo de ação ou missão do indivíduo, ou seja, não há uma definição clara da opção de força que deve ser empregada para solucionar a situação de risco encontrada, possibilitando uma maior discricionariedade ao policial na escolha do nível de força que seja mais apropriado diante do caso concreto.
De todo modo, independente do diagrama de força, antes de qualquer medida a ser tomada, o policial, na medida do possível, deverá: (a) avaliar toda situação, (b) planejar uma ação e (c) agir conforme seja mais adequado. Sabemos que o trinômio avaliar–planejar–agir, na maioria das vezes, é realizado em frações de segundo, mas é plenamente possível quando o policial tiver um nível de treinamento adequado sobre as opções táticas de emprego da força.
Paul Howe, que serviu no US Army e sniper das Forças Especiais Norte- americanas, aponta três diretrizes como processo de escaneamento para tomada de decisão:
Com a intenção de estabelecer parâmetros mais objetivos para o uso da força no âmbito do Departamento de Polícia Legislativa Federal da Câmara dos Deputados (DEPOL), apresentamos a seguinte classificação dos tipos de indivíduo ou grupo de indivíduos violadores ou perturbadores da ordem púbica:
I – oportunista – aquele que tem sua conduta inibida pela simples presença ostensiva da Polícia Legislativa Federal;
II – cooperativo – aquele que obedece prontamente às ordens do policial legislativo federal;
III. – não-cooperativo:
a) resistente passivo – aquele que apenas ignora as ordens do policial, sendo necessário empregar um controle de contato ou de mãos livres;
b) resistente ativo – aquele que ignora as ordens que lhe são dadas e tenta se furtar à ação policial, mas sem recorrer à violência física, justificando o emprego de controle de contato ou de mãos livres;
IV – combativo:
a) resistente passivo – aquele que apenas ignora as ordens do policial, sendo necessário empregar um controle de contato ou de mãos livres;
b) resistente ativo – aquele que ignora as ordens que lhe são dadas e tenta se furtar à ação policial, mas sem recorrer à violência física, justificando o emprego de controle de contato ou de mãos livres;
O policial legislativo federal selecionará a opção de nível de força que avalie ser necessária para superar a ação ou omissão ilegal enfrentada. A progressão do uso da força será avaliada e adequada ao tipo de atitude do suspeito. Se o nível de força adotado falhar ou as circunstâncias mudarem, o policial pode (e deve) escalonar o nível de força utilizado de forma consciente e controlada.
Para que haja uma aplicação adequada do uso da força, o policial legislativo federal precisa estar devidamente treinado e equipado com diferentes opções de equipamentos que lhe permitirão ações nos diversos níveis de resposta. O emprego qualificado da força está inexoravelmente ligado ao nível de preparo (físico, técnico e emocional) do agente e à disponibilidade de instrumentos de menor potencial ofensivo: quanto mais diversificado for esse binômio, mais parâmetros de força existirão e mais proporcional e razoável será a ação policial.
Dessa forma, a resposta do policial legislativo federal, diante de cada tipo de ação ou omissão ilegal do indivíduo ou grupo de indivíduos, poderá ser tomada com base nos seguintes níveis de força disponíveis no momento:
A simples presença policial ostensiva é capaz de desestimular as ações criminosas ou perturbadoras da ordem pública praticadas por indivíduos ou grupos de indivíduos oportunistas, como é o caso dos pichadores, dos punguistas, dos vândalos, dos baderneiros, dos manifestantes que invadem prédios públicos, etc. Por isso, é importe que o policial legislativo, no cumprimento de sua missão, esteja bem fardado, bem posicionado no terreno, adequadamente equipado e sempre em atitude de alerta, observando todo o cenário à sua volta e buscando identificar qualquer tipo de situação ou atitude atípicas ou suspeita.
Esse nível de força baseia-se na autoridade moral e legal que tem o policial Legislativo federal que, através de ampla variedade de habilidades de comunicação, transmite ordens a serem cumpridas pela(s) pessoa (ou pessoas) envolvida(s), podendo variar a tonalidade da voz conforme a necessidade, valendo-se desde palavras sussurradas, proferidas em tom de voz normal ou até mesmo pronunciadas com energia e vigor, a depender da atitude do suspeito ou do tipo de local. Além disso, o policial legislativo federal também pode valer-se de técnicas de resolução de conflitos como a negociação, a persuasão, a conciliação e a mediação.
O policial legislativo federal deve procurar reduzir as possibilidades de confronto pela adequada utilização desse nível de força indireta, devendo, quando possível, empregá-lo, durante e após o emprego de qualquer nível de força direta. Aqui há de imperar o jargão policial: aquele que fala primeiro, ganha importante vantagem psicológica, que poderá favorecer a solução da ocorrência policial.
Parafraseando ROVER, podemos afirmar que as técnicas de verbalização constituem o caminho preferível para se alcançar os objetivos de uma aplicação da lei de forma legítima.
Exceto em situações de prestação de informação de cunho orientativo, a verbalização em contexto de ocorrência policial deve ser implementada com autoridade, dando preferências às formas verbais no imperativo e preferindo comandos claros, curtos e em tom de voz adequado à situação, além de sempre transparecer segurança, determinação e convicção nas suas ações.
Em hipótese alguma é aceitável o uso de linguagem desrespeitosa ou bate- boca, o que pode gerar antipatia dos curiosos e desgaste da imagem institucional. Ademais, procure não se envolver emocionalmente na ocorrência e não fazer ameaças: nunca ameace fazer aquilo que não seja legal, legítimo e razoável, pois pode acarretar a perda da autoridade moral e, consequentemente, da situação. É importante que o policial legislativo federal aprenda a ter resiliência e inteligência emocional.
Por último, havendo mais de um policial na cena, um dele ficará responsável pela verbalização. Isso evitará comandos contraditórios ou que uma linha de raciocínio de desconstrução de conflito, por exemplo, seja interrompida, sem falar que dois ou mais policiais falando, ao mesmo tempo, com uma pessoa violadora da lei ou perturbadora da ordem pública passa uma ideia de desorganização.
O controle de contato ou de mãos livres refere-se ao emprego do uso de técnicas de defesa policial para assegurar o controle e superar a falta de cooperação da pessoa. Neste patamar de força, o policial legislativo federal irá fazer uso de força física suficiente para superar a resistência passiva ou ativa do individuo, permanecendo atento em relação aos sinais de um possível comportamento combativo. Nesta fase, o uso de algemas ainda não se faz necessário, sendo a maioria dos casos resolvidos com simples contenção.
Técnicas de submissão referem-se à aplicação de técnicas de defesa policial ou de alguns recursos não-letais contra uma pessoa combativa desarmada, ou seja, que demonstra claramente a intensão de entrar em confronto físico com o policial legislativo federal, com capacidade real de provocar-lhe lesão corporal.
Nesse estágio, o policial legislativo federal poderá fazer uso de força direta com a finalidade de superar as agressões físicas que lhe forem deferidas no momento da intervenção e subjulgar o agressor. Para tanto, buscará aplicar técnicas de Projeção, Imobilização, Controle de dor e Algemamento (PICA) ou fazer uso de instrumentos de menor potencial ofensivo,
como: DEC6 Taser, espargidor de agente lacrimogêneo (CS/OC7), bastão retrátil ou tonfa (sem ação contundente), emprego indireto do cão, etc. Aqui, o trabalho em equipe é primordial para a aplicação adequada e proporcional da força.
Um ponto importante que deve ser destacado, para que esse parâmetro de força seja legitimamente aplicado, é a necessidade de verificar-se se a pessoa combativa desarmada tem capacidade real em colocar em risco a integridade física do policial. Para isso, é necessário que seja feita uma avaliação de algumas características do agressor, como: porte físico, idade, sexo, deficiência física aparente, etc. Vejamos um exemplo: imagine uma senhora de setenta anos falando enfurecida para os policiais legislativos que se eles tentarem retirar ela de dentro do plenário, ela lhes dará umas boas bofetadas. Nessa situação, embora a senhora demostre ânimo hostil, a sua compleição lhe impede que tenha a capacidade de produzir lesão corporal contra os policiais. Neste caso, essa senhora não passa de uma pessoa não-cooperativa apresentando uma resistência ativa, que pode ser perfeitamente superada com a aplicação do controle de mãos livres.
Para o emprego adequado desse nível de força, é primordial que o policial legislativo federal possua conhecimentos básicos sobre técnicas de defesa policial e esteja constantemente treinando-as com seus pares, pois, aqui, o trabalho em equipe será preponderante para alcaçar o sucesso na ocorrência.
Táticas Defensivas Não-Letais referem-se à utilização de instrumentos não-letais e/ou de técnicas de defesa policial visando deter imediatamente a ação agressiva de possível cidadão armado com arma branca ou perfurocontusa em relação ao policial legislativo ou a terceiros. Aqui o policial legislativo federal, mediante análise da situação, poderá empregar: DEC Taser, agentes lacrimogêneos (CS/OC), bastão retrátil ou tonfa de forma contundente, ataque com cão, munições de impacto controlado, arma de fogo sem intensão letal (intimidação psicológica), etc. Tratando-se de arma branca, o policial legislativo deverá redobrar o cuidado para não entrar na zona de ataque do agressor.
Não é demais destacar que toda e qualquer tecnologia não-letal somente pode ser empregada mediante prévia habilitação específica, sob pena de haver excesso de força ou ineficiência do instrumento utilizado.
A força letal é o último nível de força que o policial legislativo federal tem à sua disposição, por meio do qual ele se vale de táticas absolutas e imediatas, com o objetivo dedeter ameaça mortal, atual ou iminente, direcionada contra ele ou contra terceiro, buscando, assim, assegurar a submissão ou a neutralização do agressor.
O emprego de arma de fogo com intensão letal é uma medida extrema e excepcional que somente deverá ser aplicada quando os demais recursos disponíveis não tiverem surtido efeito ou forem considerados inapropriados diante da especificidade da situação.
Não obstante a força letal seja geralmente utilizada para neutralizar uma agressão injusta efetivada com arma de fogo, é perfeitamente concebível que também possa ser empregada contra um indivíduo que esteja atacando (ou na iminência de atacar) alguém com uma faca, facão ou punhal, quando estiverem presentes os fatores do triângulo da força letal e desde que não estejam disponíveis outros meios menos gravosos ou apropriados, levando-se em consideração as circunstâncias e as peculiaridades presentes naquele momento. Frise-se, ainda, que uma pessoa adestrada no manuseio de uma faca, um facão ou um punhal tem um potencial lesivo tão grande quanto uma pessoa armada com arma de fogo, caso não seja respeitada a distância de segurança.
A doutrina americana estabelece como distância de segurança a “regra dos 21 pés” (aproximadamente 6 metros). Estudos realizados pelo Centro de Pesquisa da Ciência da Força8, da Universidade do Estado de Minesota-Mankato, indicam que numa distância inferior a 6 metros em relação a um agressor com faca, o policial fica com sua segurança vulnerável, já que ele fica dentro da distância mortal.
Estudos demonstram que a média de tempo de ataque de um suspeito carregando uma faca, saindo da posição de repouso até a distância mortal (menor que 6 metros), varia entre 1,5 a 1,7 segundos. Ademais, o tempo de resposta do policial irá depender do tipo de coldre que estiver portando, pois a presença de sistema(s) de retenção irá influenciar diretamente no tempo de saque e, consequentemente, no tempo de reação para efetuar o primeiro disparo de combate.
Para que o policial legislativo federal possa fazer uso da força letal (nível VI) de forma legítima, deverá primeiro analisar se estão presentes os fatores do Triângulo da Força Letal, o qual consiste em um modelo de tomada de decisão que tem como objetivo desenvolver no policial habilidades capazes de identificar e responder prontamente a uma ameaça atual ou iminente de morte ou de lesão grave decorrente de ações criminosas contra si ou contra terceiros, agindo dentro da legalidade e de parâmetros aceitáveis do uso da força. A doutrina policial americana denomina tal modelo de Shooting Triangle(Triângulo de Tiro).
O Triângulo da Força Letal é formado por três fatores: habilidade, oportunidade e risco.
Segundo MOREIRA e CORRÊA, em cada nível de força, existem subníveis de intensidade, possibilitando que a resposta policial possa variar, entre um mínimo e um máximo, de forma proporcional à resistência encontrada ou à agressão sofrida, devendo, portanto, o agente avaliar e adequar a intensidade de força ao tipo de ação ou omissão do indivíduo violador da lei.
Esse processo de avaliação deve ser realizado levando em consideração o somatório de vários aspectos relacionados ao policial e à pessoa que lhe enfrenta, como os que se transcreve abaixo, citados por MOREIRA e CORRÊA:
De acordo com esses mesmos estudiosos, existem também algumas circunstâncias especiais que podem influenciar na intensidade de força a ser empregada:
Com base no exposto, podemos concluir que a doutrina do Uso Diferenciado da Força somente será uma ferramenta prática e eficaz de dosimetria da força se o policial legislativo federal tiver à sua disposição (a) um leque variado de técnicas, táticas e equipamentos de menor potencial ofensivo, além de (b) treinamento constante.
Na legislação infraconstitucional são encontrados vários dispositivos que regulam o usa da força policial, com destaque para os citados logo abaixo.
O Decreto-Lei nº 2.848/40, que institui o Código Penal Brasileiro, estabelece as causas excludentes de antijuridicidades, ao afirmar que não haverá crime quando o fato é praticado: (i) em estado de necessidade (art. 24); (ii) em legítima defesa (art. 25); (iii) no estrito comprimento do dever legal (art. 23, III); e (iv) no exercício regular de direito (art. 23, inc. III).
Deve-se atentar ao disposto no Art. 23, parágrafo único, do Código Penal, o qual prevê que o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo, ou seja, responderá pelo abuso de força contundente empregada.
Tais excludentes de ilicitudes são instrumentos que delimitam o uso da força, porquanto somente podem ser reconhecidas quando presentes os requisitos que as legitimam. O artigo 25 do CPB é claro ao afirmar que só haverá legítima defesa se, e somente se, a injusta agressão for repelida com o uso moderado dos meios necessários, isto é, a força deve ser empregada proporcionalmente à agressão do ofensor.
O Decreto-Lei nº 3.689/1941, que institui o Código de Processo Penal, afirma no artigo 284 que o uso da força somente será permitido quando for indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso.
Os artigos 292, 293, 294 e 301, todos do CPP, também traçam parâmetros sobre a utilização da força, in verbis:
Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
Art. 293. Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.
Parágrafo único. O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de direito.
Art. 294. No caso de prisão em flagrante, observar-se-á o disposto no artigo anterior, no que for aplicável.
Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em resposta ao uso abusivo de algemas, editou a Súmula Vinculante nº 11, a qual prescreve que:
só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. (STF, 2008).
É importante pontuar, também, a súmula 397 do STF que afirma que o poder de polícia da câmara dos deputados e do senado federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados – lei no sentindo formar e material – em seu artigo 272, parágrafo único, dispõe que os espectadores ou visitantes que se comportarem de forma inconveniente, a juízo do Presidente da Câmara ou de Comissão, bem como qualquer pessoa que perturbar a ordem em recinto da Casa, serão compelidos a sair, imediatamente, dos edifícios da Câmara.
Por sua vez, a Resolução da Câmara dos Deputados n. 18/2003 – espécie normativa primária – afirma em seu artigo 6º, inciso VI, que compete ao policial legislativo efetuar a retirada, das dependências da Câmara dos Deputados, de quem perturbar as atividades da Casa. Há, ainda, a Lei n. 13.060/2014, que disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública. Tal espécie normativa afirma em seu artigo 2º que os órgãos de segurança pública deverão priorizar o emprego de instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que seu uso não coloque em risco a integridade física e psíquica do policial.
A intensão do legislador foi exatamente tornar o uso da força policial mais comedido, ao legitimar o emprego efetivo da arma de fogo somente quando houver risco imediato de morte ou de lesão grave ao policial ou a terceiros.
Por outro lado, errou o legislador quando restringiu a incidência dessa lei somente ao campo da segurança pública, quando se sabe que existem outros órgãos policiais que não estão elencados no artigo 144, da Consituição Federal, como as Polícias Legislativas Federais (arts 51, IV e 52, XIII, CF/88), as Polícias Legislativas estaduais e distrital (arts. 27, §3º e 32, §3º, CF/88), as Polícias Judiciais, a Polícia do Ministério Público, as Polícias Legislativas das Câmaras Municipais, a Polícia Ambiental (Ibama e ICMbio) e a Guarda Portuária.
Não se pode deixar de citar a Portaria Interministerial nº 4.226/2010 do Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que estabelece uma série de diretrizes sobe o uso diferenciado da força quando empregado por agentes integrantes dos órgãos de segurança pública federal.
No Direito Internacional há vários tratados e convenções que buscam o fortalecimento dos direitos humanos, e.g., a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes9, dos quais o Brasil é signatário: esses regramentos internacionais incidem diretamente sobre o ordenamento jurídico pátrio, haja vista que a nossa Lei Maior estabelece, em seu artigo 5º, § 2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes […] dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”.
No entanto, no que tange ao uso da força policial, os dois instrumentos jurídicos internacionais mais importantes são: (a) o Código de Conduta para os Funcionários Responsável pela Aplicação da Lei (CCFRAL)10 e (b) os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (PBUFAF).11
Tanto CCFRAL como PBUFAF não têm status de tratado, tendo como escopo apenas proporcionarem normas orientadoras aos países-membros das Nações Unidas, com a intensão de criar um padrão internacional do emprego da força policial que tenha como premissa básica o respeito aos direitos e às liberdades fundamentais do ser humano.
Destarte, o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República editaram a Portaria Interministerial nº 4.226/2010, cuja diretriz nº 1 estabelece que o uso da força pelos agentes de segurança pública há de ser pautar nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos e deve considerar, primordialmente: (a) o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, (b) os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e (c) a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
Tais instrumentos são de grande importância para o sistema policial brasileiro, porquanto são neles que se encontra o espírito da doutrina do Uso Diferenciado da Força, além de trazerem normas de conduta direcionadas à área policial.
O Código de Conduta para os Funcionários Responsável pela Aplicação da Lei – CCFRAL consolida, em seus artigos 1º e 8º, o princípio da legalidade.
O artigo 2º do CCFRAL afirma que é dever dos agentes da lei respeitar e proteger a dignidade humana e manter e apoiar os direitos fundamentais de todas as pessoas.
De acordo com o artigo 5º do CCFRAL, a dignidade humana deverá ser respeitada e protegida mesmo em condições excepcionais, como estado de guerra ou comoção interna, não podendo tais situações serem invocadas pelos encarregados da aplicação da lei para a prática de tortura ou qualquer tipo de ato cruel, desumanos ou degradante.
Por sua vez, o artigo 3º do CCFRAL consolidou o princípio da necessidade e o da proporcionalidade, ao prescrever que os encarregados pela aplicação da lei só podem empregar a força enérgica quando tal se afigure “estritamente necessário” e na “medida exigida” para o cumprimento do seu dever.
Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo – PBUFAF estabelece, no item 1., das disposições gerais, que os Governos dos Estados-membros integrantes das Nações Unidas devem adotar regras e normas sobre a aplicação da força e utilização de arma de fogo contra pessoas por parte dos encarregados da aplicação da lei. E ainda sugere no item 2. que:
Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem desenvolver um leque de meios tão amplo quanto possível e habilitar os funcionários responsáveis pela aplicação da lei com diversos tipos de armas e de munições, que permitam uma utilização diferenciada da força e das armas de fogo. Para o efeito, deveriam ser desenvolvidas armas neutralizadoras não letais, para uso nas situações apropriadas, tendo em vista limitar de modo crescente o recurso a meios que possam causar a morte ou lesões corporais.[…]. (grifo nosso).
Essa norma preocupa-se com o escalonamento da força pelos órgãos policiais, na medida em que orienta os “Governos” a disponibilizarem vários tipos de armamento e equipamento menos letais aos agentes da lei, evitando, assim, o uso indiscriminado das armas de fogo.
O item 4 da disposições gerais do PBUFAF destaca que a atuação enérgica da polícia não é a regra, senão exceção, pois somente “[…] poderão recorrer à força ou a armas de fogo se outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado desejado.”. Aqui reside o princípio da necessidade.
Mas, segundo o item 5, “a” e “b”, do PBUFAF, quando esses meios forem indispensáveis, os policiais devem utilizá-los com “[…] moderação e a sua acção deve ser proporcional à gravidade da infracção e ao objectivo legítimo a alcançar”[sic], mas sempre esforçando-se “[…] por reduzirem ao mínimo os danos e lesões e respeitarem e preservarem a vida humana.” – eis o princípio da moderação e da proporcionalidade do uso da força.
Observe que, caso seja necessário uso efetivo de arma de fogo, o policial deve, sempre que possível, buscar escalonar a sua lesividade de acordo com a realidade de cada caso. Segundo o item 9, das disposições especiais do PBUFAF, o policial
somente poderá valer-se desse patamar de força quando isso for “[…] estritamente indispensável para proteger vidas humanas.”.
É inegável que a doutrina do Uso Progressivo da Força é um mecanismo imprescindível à atuação dos policiais legislativos federais, visto que traz parâmetros éticos, legais e operacionais sobre o emprego da força.
Essa racionalização do empego da força pela polícia é importantíssima para o aprimoramento do Estado Democrático de Direito e principalmente para uma atuação policial desenvolvida no âmbito do parlamento brasileiro, em que, na imensa maioria das vezes, as pessoas perturbadoras da ordem pública são cidadãos que vêm protestar por interesses legítimos, mas, muitas vezes, de forma equivocada.
Não se pode olvidar que os policiais legislativos federais, assim como quaisquer outros policiais, são muito mais que meros aplicadores da lei, são, de fato, garantidores imediatos dos direitos e das garantias fundamentais dos cidadãos.
Com efeito, a manutenção da ordem pública e aplicação da lei devem ser cumpridas sempre com base em um padrão de conduta ético-profissional pautado na filosofia de polícia cidadã, cuja meta maior é a preservação da vida e a minimização de danos à integridade física das pessoas, inclusive a do próprio policial.
Por Suprecílio Barros
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 1997. BARBOSA, Sérgio Antunes; ANGELO, Ubiratan de Oliveira. Distúrbios Civis: controle e uso da força pela polícia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
BARROS NETO, Suprecílio do Rêgo. A Doutrina do Uso Progressivo da força como ferramenta imprescindível à atuação dos órgãos policiais brasileiros no atual estado democrático. Artigo apresentado à Faculdade de Ciência de Wenceslau Braz como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, realizada por meio do sistema EAD. Brasília – DF, 2015.
BAYLEY, David H. Padrões de Policiamento: uma análise internacional comparativa. Tradução de Renê Alexandre Belmonte. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo.19ª ed. Atlas: São Paulo, 2006.
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SCHRODER, André Luiz Gomes. Princípios Delimitadores do Uso da Força para os Encarregados da Aplicação da Lei. Revista Unidade. Porto Alegre, nº 46, abr./jun. 2001.
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