Na noite de 13 de novembro de 2024, um homem identificado como Francisco Wanderley Luiz morreu ao detonar explosivos na Praça dos Três Poderes, em frente ao STF.
A Polícia Federal investiga as explosões como um ato terrorista. Segundo o portal BBC News, “o diretor-geral da PF Andrei Passos Rodrigues afirmou que o episódio não é um fato isolado, mas conectado com várias outras ações que já são apuradas em outras investigações”.
Enquanto as investigações avançam para esclarecer o fato, uma importante pergunta salta aos olhos dos operadores de Segurança Pública Institucional (SPI): do ponto de vista operacional, quais foram os pontos positivos e negativos do ocorrido?
Fazer um estudo de caso sobre os aspectos táticos de um evento crítico como esse é fundamental para a evolução dos procedimentos de segurança como um todo.
Como corrente ainda minoritária no ordenamento jurídico brasileiro, cresce a passos largos uma teoria que denomina as Polícias Legislativas, Judiciais e do Ministério Público como órgãos de Segurança Pública Institucional.
Segundo essa tese, essas corporações, diferentemente dos órgãos de Segurança Pública Tradicional, não prestam um serviço direto à sociedade. Suas atividades se concentram em garantir o funcionamento do seu respectivo Poder para que esses possam, então, servir à sociedade de forma direta.
A SPI presta um serviço indireto à sociedade ao proteger bens, serviços e interesses dos Poderes Legislativo, Judiciário e do Ministério Público. Possuem, portanto, um importante papel no Princípio da Separação dos Poderes e, atualmente, já está presente nas esferas da União, Estados e Municípios.
Dado o elevado tecnicismo desempenhado por essas instituições policiais, nota-se um avanço judicial e legislativo significativo. Atualmente, por exemplo, as Polícias Legislativas já estão inseridas como órgãos operacionais do Sistema Único de Segurança Pública, e essa é só uma das legislações que sedimentam a categoria.
Grande parte dessas conquistas se deve à existência de uma Frente Parlamentar Mista da SPI, um grupo de Deputados Federais e Senadores que lutam pelo fortalecimento desses órgãos policiais.
Para exercer esse importante papel de proteger um Poder e, por que não dizer, proteger a Democracia, os órgãos de SPI estão buscando cada vez mais o aprimoramento profissional.
O somatório de técnicas relacionadas à Segurança e Gestão de Áreas e Instalações (SGAI) foi um fator preponderante para que esse suposto atentado (ainda em apuração) não tivesse consequências mais graves.
Definem-se como ações de Segurança Institucional o conjunto de medidas voltadas para a prevenção e a obstrução de ações adversas de qualquer natureza contra determinada Instituição.
A doutrina mais aceita atualmente sobre a metodologia de desenvolvimento das atividades de Segurança Institucional é baseada no conceito tridimensional, que abrange três dimensões principais para garantir a proteção integral de uma organização.
A Segurança Física ou Patrimonial é responsável por proteger as instalações físicas e materiais da instituição, assegurando a integridade de seus bens tangíveis. A Segurança Estratégica, por sua vez, protege o patrimônio invisível, como as informações estratégicas e as atividades relacionadas à inteligência. Por fim, a Segurança Especial ou Complementar abrange a proteção de áreas que não estão diretamente ligadas à segurança tradicional, incluindo atividades específicas como a Proteção de Dignitários. Juntas, essas dimensões formam uma abordagem abrangente para a SPI.
Como uma das componentes da Segurança Patrimonial, encontra-se a Segurança e Gestão de Áreas e Instalações (SGAI). É responsável pela integridade de todas as áreas, instalações, dependências e ambientes sob responsabilidade de Instituição. Para sua materialização, pode atuar sobre o serviço de vigilância e policiamento, controle de acesso, barreiras físicas e meios mecânicos, sistemas eletrônicos (incluindo monitoramento por CFTV), entre outros.
Cada uma dessas atividades possui um arcabouço de técnicas, medidas e procedimentos para que sejam prestadas de forma eficiente. Todas essas estão fundamentadas em teorias que embasam seu emprego.
É sobre o estudo dessas e de outras partes técnicas que as Polícias Institucionais solidificam sua atuação. Sabendo que eliminar todos os riscos é impossível, é necessário fazer uma Gestão da Continuidade Institucional e sua devida formalização em um Plano de Continuidade Institucional.
De forma bem simples, é preciso garantir que o Processo Legislativo ou Jurisdicional não pare. Através de um Processo de Avaliação de Riscos, em que os possíveis eventos críticos são identificados, analisados e avaliados, é possível traçar um Plano de Segurança adequado. Também é possível estabelecer um Plano de Contingências para os riscos residuais, aqueles que não conseguiram ser evitados e necessitam de uma resposta rápida.
Foi justamente esse tecnicismo que impediu que o evento ocorrido no dia 13 de novembro não tivesse consequências mais danosas. Dada sua sensibilidade, um Plano de Segurança deve ser classificado com grau mínimo de reservado. Assim sendo, não deve ser de domínio público.
Mesmo sem acesso a esse documento, através de algumas matérias divulgadas na mídia, é possível identificar que certamente foi muito bem elaborado pela Secretaria de Segurança do STF.
Com base nas informações que circulam pela mídia, é possível inferir que, muito provavelmente, a parte que versa sobre SGAI desse Plano de Segurança se preocupou com pontos cruciais, a saber: Teoria das Zonas Livres, Controle de Acesso, Procedimentos de Abordagem e Técnicas de Monitoramento.
Segundo matéria divulgada no G1, foi possível identificar a ação de Francisco através de um sistema de monitoramento instalado no STF depois da invasão ocorrida no dia 8 de janeiro de 2023. O equipamento, que conta com mais de 400 câmeras, conseguiu identificar atitudes suspeitas.
Em entrevista ao G1, o Agente de Polícia Judicial (APJ) Marcelo Schettini, Secretário de Segurança do STF, afirmou que o sistema é capaz de identificar qualquer ameaça. Ele explicou que, graças ao sistema de monitoramento, assim que Francisco Wanderley se aproximou do prédio, um alerta foi dado à equipe.
“Ele (Francisco Wanderley) cruzou ali num dia chuvoso, parou em frente e veio um ‘pop up’ [aviso] na tela vermelha, um alerta de intrusão. O tipo de vestimenta, a forma como se portava, como se locomovia. E naquele horário, ali em frente, se agachando e voltando”, explicou o APJ Schettini.
FOTO: Agência Brasil – Antônio Cruz
Segundo a Teoria das Zonas Livres, para a operacionalização das medidas de SGAI, deve-se dar atenção não somente às instalações de uma edificação, mas também às suas zonas internas e externas.
Define-se a zona livre interna como o espaço existente entre a edificação e sua barreira perimetral, ou seja, entre a parede do prédio e seu muro ou cercado. Já a zona livre externa é o espaço entre sua barreira perimetral e a via pública.
Diz-se que são livres porque, em um mundo ideal de segurança, deve-se evitar o trânsito ou permanência de pessoas e coisas. Seus comprimentos podem variar bastante de acordo com a realidade da estrutura predial estabelecida, ainda mais quando se trata de construções tombadas pelo patrimônio histórico. A mensuração desse espaço e de barreiras físicas (artificiais, naturais ou animais) e/ou meios mecânicos utilizados está diretamente ligada ao tempo de resposta que os policiais terão.
Quanto mais fácil e veloz for para um homem médio se aproximar das edificações, menor deverá ser o tempo de resposta dos policiais. No caso concreto, o que se observou foi uma rápida atuação policial. Isso demonstrou que, além de as Zonas Livres estarem bem demarcadas, a mensuração e o treinamento do tempo de respostas estavam corretos. Ponto para o APJ Schettini e seus agentes.
FOTO: Agência Senado – Geraldo Magela
Dentre as medidas que podem ser adotadas para a manutenção ou gerenciamento da segurança de uma área ou instalação está o Controle de Acesso. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, controlar o acesso não se limita a permitir ou negar a entrada de alguém ou de algo em um ambiente.
Entre as fases do Controle de Acesso estão a identificação, o cadastro, o registro, a inspeção e, finalmente, a avaliação (permissão ou negativa). A identificação consiste em verificar, por qualquer meio, a identidade da pessoa. Cadastrar consiste em inserir os dados da pessoa em um banco de dados. Registrar é inserir o destino, o local e o horário da visita. Inspecionar é checar se a pessoa está portando algo proibido de acordo com as regras existentes. Por fim, depois de todas essas etapas, o tomador de decisão avalia se os critérios para permitir a entrada foram atendidos ou não.
Com a tecnologia existente no mercado, atualmente é possível que muitas dessas etapas sejam realizadas por sistemas eletrônicos com Inteligência Artificial embarcada. É possível, graças à leitura facial, identificar uma pessoa que se aproxime de determinada instalação. Com uma tecnologia mais recente, ainda é possível realizar o denominado controle de acesso biométrico comportamental. Com isso, é possível identificar uma pessoa ou intenções através de seu comportamento. Assim, por exemplo, caso o sistema detecte a presença de uma pessoa e não consiga identificá-la por algum motivo, ainda assim será capaz de avaliar se ela se encontra em atitude suspeita. Todo esse processo acontece por meio de Inteligência Artificial.
Essa tecnologia ainda é capaz de verificar automaticamente se a pessoa possui mandado de prisão em seu desfavor ou se possui algum outro tipo de restrição. Segundo o APJ Schettini, a Polícia Judicial no STF também define como ameaça, além daqueles que têm alguma dívida com a justiça, a presença de pessoas que já tenham ameaçado o STF. Segundo o Secretário de Segurança do STF, foi por meio desse tipo de procedimento que a Polícia Judicial conseguiu se antecipar ao problema. Os policiais foram alertados por meio de um “pop-up” que, em um dia chuvoso, identificou um homem utilizando um tipo de vestimenta, comportando-se e locomovendo-se de forma suspeita.
Imagem: FreePik
Outra medida diretamente ligada à SGAI, mas que não se restringe a ela, são as Técnicas de Monitoramento. É através dessas que todas as ações de policiamento são coordenadas. Envolvem atividades de videomonitoramento de câmeras de CFTV, sistemas de alarme, operação de rádios, compilação do quadro tático e outros.
Trata-se, portanto, de uma importante ferramenta de viabilização de medidas de segurança ativa, ou seja, que conseguem responder de forma eficiente a um evento adverso.
Dessa forma, de nada adiantaria toda uma tecnologia de controle de acesso com inteligência artificial embarcada se o elemento humano não coordenasse as ações. Talvez, em um futuro não tão distante, o homem tenha seu papel diminuído nesse processo, mas, atualmente, ainda é algo estritamente necessário.
Durante o suposto atentado (ainda em investigação), o que se viu foi uma atuação coordenada, rápida e eficiente da Polícia Judicial. Coordenação essa que não deve ter sido encerrada com a morte de Francisco, mas, sim, ter durado muito mais tempo. Segundo as boas práticas de monitoramento, é a Central de Monitoramento a responsável por coordenar o Plano Emergencial durante a ocorrência de um evento crítico. Em regra, até que seja estabelecido o Posto de Comando, é ela a responsável pela reassunção (primeira resposta).
Nesse sentido, geralmente, é a Central de Monitoramento que se encarrega de acionar outras equipes de suporte, como o Esquadrão Antibombas. Por óbvio, e para garantia da Autonomia Institucional, cada órgão poderá parametrizar quem e quais serão as medidas emergenciais adotadas.
A área, ou Zona Livre Externa, era monitorada; o sistema de controle de acesso conseguiu detectar e alertar sobre a ação suspeita; a equipe de monitoramento coordenou toda a ação de forma correta, mas ainda falta uma coisa: um procedimento de abordagem adequado.
Assim como em outras instituições, o STF conta com a participação de um grupo de vigilantes terceirizados que atua na guarda patrimonial do tribunal, coordenado pela Polícia Institucional.
Pelas imagens divulgadas na mídia, é possível ver um agente que aparenta ser um vigilante realizando a primeira abordagem. Nesse momento, muito provavelmente, a Central de Monitoramento já estaria coordenando toda a ação. Francisco, então, dispara artefatos contra a Estátua da Justiça.
Nesse momento, é possível ver um grupo de pessoas correndo para dentro do prédio principal do STF e um grupo de policiais correndo para a abordagem. Em poucos instantes, há diversos policiais nas proximidades do suspeito.
De forma profissional e corajosa, policiais judiciais se aproximam realizando a triangulação e, muito provavelmente, verbalizando com Francisco. Foram, portanto, utilizados de forma correta os dois primeiros gradientes do uso da força: presença física e verbalização. Infelizmente, a ação foi muito rápida, e Francisco veio a óbito, a princípio, em decorrência de uma explosão. Felizmente, não houve mais feridos e, graças à presença da Polícia Judicial, a crise não se deslocou para dentro do STF, situação que aumentaria, e muito, a probabilidade de um mal maior.
FOTO: Agência Senado – Geraldo Magela
Antes de se entrar no conceito de vizinhança e quais foram as ações de SGAI realizadas, é necessário esclarecer sobre a localização do evento crítico em análise. Trata-se de um ato ocorrido em Brasília, em frente à sede do STF, na denominada Praça dos Três Poderes.
Esse nome se deve ao fato de que a referida praça separa fisicamente o STF, o Congresso Nacional (composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal) e o Palácio do Planalto. Esses representam as sedes dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, respectivamente.
Define-se por vizinhança os vizinhos mais próximos, ou seja, aqueles cuja proximidade imediata exerce influência direta sobre a atividade institucional e, consequentemente, sobre as ações de SGAI.
Nesse sentido, dada a proximidade física, pode-se dizer que o Congresso Nacional e o STF são tecnicamente entendidos como “vizinhos” dentro dos conceitos de SGAI. O evento ocorrido na sede do Poder Judiciário, portanto, influenciou diretamente as atividades na sede do Poder Legislativo.
Como não poderia ser diferente, a Polícia Legislativa Federal também passou a adotar procedimentos para mitigar a ocorrência de fatos similares no Congresso Nacional.
Segundo entrevista ao G1, o Policial Legislativo Federal do Senado Federal (PLF SF), Alessandro Morales, Diretor da Secretaria de Polícia do Senado Federal, afirma que alguns procedimentos de controle de acesso precisam ser alterados.
De acordo com o Processo de Avaliação de Riscos realizado pela Secretaria de Polícia do Senado (SPOL), foi constatado o aumento do Grau de Criticidade em relação à ocorrência de um evento similar ao que aconteceu no STF. Como peça muito importante no Processo de Gestão de Risco do Senado Federal, a Casa ouviu a sugestão da SPOL e elevou o nível de segurança para 4, o mais alto da Polícia Legislativa.
Segundo o jornal O Sul, como outra medida de segurança ativa em resposta ao evento, a SPOL aumentou o efetivo policial e adotou medidas de varreduras antibombas com cães nos corredores e arredores do prédio. Além disso, visitas guiadas com grupos de pessoas, como escolas, foram proibidas por tempo indeterminado.
Segundo a matéria em questão, é possível inferir que o Diagnóstico de Risco apresentado pela SPOL identificou como uma grande vulnerabilidade o acesso irrestrito a uma dependência do Congresso Nacional denominada Chapelaria.
A chapelaria é um espaço coberto que fica no nível inferior dos plenários da Câmara e do Senado. Até quarta-feira (13), qualquer carro poderia descer no local para deixar passageiros que quisessem acessar as Casas.
Segundo o PLF SF Alessandro Morales, em entrevista ao jornal O Sul: “Primeira coisa que vamos tomar providência é impedir a descida de carros na chapelaria. Nossa chapelaria é muito frágil. A primeira medida é proibir Uber, táxi, visitante, marido, cônjuge que vai buscar servidores, curiosos. Acho que é o único lugar do mundo em que o parlamento é tão sensível. Esse carro poderia estar na chapelaria e explodido tudo.”
Afirmou ainda: “Estamos no nível 4 de segurança, aumentamos o policiamento, restringimos o acesso, temos uma presença mais ostensiva de policiamento e cães. Ontem, à noite toda, passou carro da polícia na casa do presidente, na quadra onde ficam os senadores. Vamos manter esse nível até segunda ordem. A triagem dos visitantes será maior. A nossa biblioteca é aberta para o público em geral; a visitação será fechada. A agenda dos parlamentares continua. Grupos de museus, escolas, tour guiado, para isso tudo está fechado.” Como medida preventiva, a SPOL também monitora as redes sociais em busca de possíveis ameaças ao Congresso Nacional. Segundo o PLF SF Morales, já foram identificados casos de falas como “deveriam ter jogado a bomba na Câmara e no Senado”
Como qualquer analista de inteligência é capaz de afirmar, é impossível eliminar todos os riscos e ameaças aos quais os Poderes da República estão sujeitos, inclusive os relacionados à segurança de suas instalações.
Apesar disso, o que vem se desenhando já há algum tempo no cenário nacional é a alta capacidade dos órgãos de Segurança Pública Institucional de enfrentar desafios. Com um pessoal altamente qualificado, treinamentos constantes e integração entre forças, o que se vislumbra é um futuro promissor.
Como pode ser constatado, medidas de SGAI que, até pouco tempo atrás, eram vistas como algo empírico passaram a utilizar grande tecnicismo e ciência. Dentro desse escopo, somadas às demais atividades de Segurança Pública Institucional, não restam dúvidas de sua importância para a manutenção da Democracia.\
FONTE: G1 – Fantástico
Fonte: Edtop
FONTE: Jornal O SUL