No período histórico da Antiguidade Clássica, em especial na Roma Antiga, uma unidade militar surgiu com o objetivo de garantir a independência do Senado Romano em face da autoridade do imperador. Esse corpo era denominado Guarda Senatorial.
Para se entender a origem da Guarda Senatorial, é preciso situar-se nesse fabuloso período da história, bem como conhecer outra unidade militarizada, a Guarda Pretoriana.
Após a Monarquia Romana (Regnum Romanum), instaura-se em 509 a.C. a República Romana. Este foi um período áureo para a democracia, uma época marcada pela liberdade do povo e pela aplicação das leis. A República deixou grande legado político e seus fundamentos são até hoje utilizados nas principais democracias. O êxito da República Romana se deu, principalmente, pelo sistema adotado nessa época, que consistia em repudiar qualquer forma de concentração de poder numa só pessoa. O poder era diluído entre diversas instituições democráticas, dentre as quais, o Senado Romano possuía maior destaque.
A República Romana atingiu o auge com sua política expansionista, a qual teve início no período das Guerras Púnicas, e, posteriormente, com a expansão para o Oriente. Entretanto, o êxito expansionista de Roma também foi a causa do enfraquecimento da República, que passou a ser vítima do próprio sucesso.
Os generais vitoriosos começaram a acumular influência, riqueza e prestígio a cada território conquistado, de modo que a reputação militar, fortuna e glória permitiram que eles passassem a desafiar o tradicional poder do Senado. O ideal da democracia de outrora começava a desmoronar sob a égide das desigualdades econômicas e sociais. Esse momento da história é bem ilustrado com a aliança política de três grandes generais, Júlio César, Pompeu e Crasso, conhecida como o Primeiro Triunvirato.
Com a morte de Crasso, a aliança foi desfeita e os remanescentes tornaram-se inimigos. O Senado, receoso das intenções de César, aliou-se a Pompeu e vetou àquele a candidatura ao consulado. No início de 49 a.C., inconformado, Júlio César atravessou o limite imposto ao exército romano, o rio Rubicão, onde, segundo Suetônio, teria proferido a célebre frase alea jacta est (sorte está lançada, em tradução livre). Violada a lei, o conflito entre César e Pompeu tornou-se inevitável.
Após vencer as tropas de Pompeu na Batalha de Farsalos, César marcha sobre Roma, onde é nomeado dictator perpetuo. O Senado, agora a seu favor, o elege Pater Patriae, o pai da pátria. Carlos Heitor Cony descreve o período de Caio Júlio César como um período de enfeixamento do poder numa só pessoa e marca a transição da República para o Império.
Com excesso de poder em suas mãos e desprezo pelas instituições democráticas, Júlio Césarpassa a acumular inimizades. Entretanto, alguns senadores o convenceram a abdicar de sua guarda pessoal, pois essa proteção representava desconfiança do pai da pátria em relação ao povo que governava e que o adorava.
Nos idos de março de 44 a.C., período marcado por disputa de poder e conspirações, Júlio César foi assassinado nas escadarias do Senado por um grupo de 60 senadores liderados por Marcus Julius Brutus, quando então teria proferido a famosa frase: “Até tu, Brutus”. Em seu testamento, Júlio César nomeou Octávio Augusto como filho adotivo e herdeiro, o qual ficou conhecido como o fundador do Império Romano. Como primeiro imperador (27 a.C. até sua morte em 14 d.C.), Augusto tratou de não incorrer no mesmo erro de seu pai adotivo e desenvolveu uma unidade militar para sua proteção, a prestigiada Guarda Pretoriana.
Grande estudioso do assunto, o professor Boris Rankov relata que a Guarda Pretoriana, criada inicialmente para a proteção do imperador, tornou-se um verdadeiro exército, símbolo do poder imperial. Passou a acumular poderes e seus integrantes eram conhecidos por espionar, constranger, prender e assassinar aqueles que se mostravam contrários aos desejos do imperador. Dentre os inimigos da Guarda Pretoriana encontravam-se os senadores oposicionistas.
É exatamente neste clima de intimidações, instabilidade e ameaça às instituições democráticas, em especial o Senado Romano, que surge a Guarda Senatorial, um corpo militar com integrantes escolhidos a dedo, oriundos em sua grande maioria da classe inferior da ordem equestre. Os guardas senatoriais estavam subordinados diretamente ao Senado Romano, ao qual deviam obediência e lealdade estritas. Diferente das vestes militares da Guarda Pretoriana, os integrantes desse corpo militar utilizavam túnicas semelhantes às dos senadores.
A Guarda do Senado representou o último suspiro da defesa da República Romana. Entretanto, com o acúmulo de poderes e títulos, Otávio Augusto tornou-se imperador absoluto de Roma, enfraquecendo, entre outros, o Senado, o Conselho Centurial e Tribal, de modo que essas instituições republicanas passaram a existir apenas formalmente.
Em que pese o curto período de atuação da Guarda Senatorial, esse ideal de um corpo policial próprio do parlamento, como instrumento garantidor da soberania e independência do Poder Legislativo, perpetuou-se no tempo, evidenciando-se na evolução do parlamentarismo durante a Revolução Francesa.
Em 25 de Junho de 1789, parlamentares franceses estavam reunidos na Assembleia Nacional deliberando acerca da primeira constituição liberal, quando resolveram retirar as tropas da Guarda do recinto, enviadas pelo rei com o propósito oficial proteger a Assembleia. Os constituintes concluíram que, em razão da separação dos poderes o parlamento, deveria contar com seu próprio poder de polícia, como outrora o Senado Romano contara.
Dada a importância da matéria, essa prerrogativa parlamentar alcançou status constitucional e foi positivada no Art.4º, Seção 1ª, Capítulo 3º, Título 3º da Constituição Francesa de 1791. Sob a égide do pensamento liberal, outros países europeus como Espanha (art.122 da Constituição Espanhola de 1812) e Alemanha (art. 40 da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha), ao elaborar suas constituições, trataram de assegurar o poder de polícia parlamentar.
No Brasil, a Polícia Legislativa foi expressamente prevista desde a primeira Constituição, nos artigos 20 e 21 da Carta Imperial de 1824. A mesma prerrogativa constitucional foi repetida em todas as Cartas Políticas subsequentes, e, atualmente, a Polícia da Câmara dos Deputados e a Polícia do Senado Federal estão previstas, respectivamente, no inciso IV do art. 51 e inciso XIII do art.52 da Constituição da República de 1988.
Por PLF SF Everaldo Bosco